quarta-feira, 3 de abril de 2013

A Noite Escura da Alma




Aqueles que sondam os caminhos da espiritualidade e, principalmente, os que optam pela caminhada mágica, um dia irão compreender e vivenciar o que chamamos de "A noite escura da alma".
Por ser um termo associado à introspecção, quando as situações e as incompreensões sobre o que nos cerca nos colocam em dúvida sobre tudo e todos, geralmente é visto como algo sombrio, triste, depressivo.
Entretanto, o termo "A noite escura da alma", surgiu como um título de poema escrito no século XVI pelo poeta e místico cristão São João da Cruz.
O mote do referido poema está na dolorosa experiência que as pessoas têm de suportar ao buscar crescimento espiritual e a união com a Deus (no caso, lemos Deus como a Divindade que habita em cada um de nós).
Para aquele que se encontra na noite escura da alma, as bases de sua crença encontram-se abaladas, e, como num passe de mágica, parecem perder todo o valor a ela agregado. A pessoa se sente em estado de abandono, ou como se estivesse em uma grande e infinita espiral rumo ao abismo, em colapso.
E esse período dura exatamente o tempo necessário à recomposição do indivíduo, agora com sua força e fé renovada e com uma nova carga de ensinamentos que foram trazidos durante "a noite" que agora precisam ser compreendidos e assimilados. A alegria da reorganização mental e espiritual, e novamente a reconexão com o seu Ser divino.
Assim, as "noites escuras" são momentos de extrema importância na caminhada, pois são aquelas nas quais confrontamos nosso maior inimigo: nós mesmos. E, não havendo perdedores nem vencedores nesta luta, o equilíbrio é a recompensa almejada: nosso pote de ouro no final do arco-íris.
E por ser tão misteriosa e tão bela, "A noite escura da alma" acabou sendo musicalizada e mundialmente conhecida na voz de Loreena Mackennit, na música "The Dark Night Of The Soul".


A noite escura da alma.

Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamada,
Oh, ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.

Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh, ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.

Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.

Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia,
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.

Oh, noite que me guiaste!
Oh, noite mais amável que a alvorada!
Oh, noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!
Em meu peito florido
Que, inteiro para ele só guardava,
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.

Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.

Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.

São João da Cruz


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