Dentro da senda mágicka temos um carinho especial por toda a ritualística dedicada à Grande Mãe em seus diversos aspectos. Donzela, mãe e anciã, todas as suas faces são veneradas, pois são partes de uma só força, um mesmo poder, gerador e transformador, que permeia nossas vidas.
O desabrochar da Deusa que agora celebramos se vincula de forma muito tenaz ao Sagrado Feminino.
Mas o que é o Sagrado Feminino?
Conforme Caroline Iene Shanti, "O Sagrado Feminino é um mundo de mistérios e clareza. É permitir que a mulher e não só ela, mas ambos os sexos despertem em seu interior a energia feminina.
Todo ser humano traz dentro de si duas
polaridades: masculino e feminino, yang e yin. Com a era patriarcal,
explorou-se o masculino anulando a energia feminina, criando uma
sociedade que há todo momento compete pelo poder, robótica e mental.
Perdendo-se a energia do Amor, da Compaixão e do Respeito mutuo, é
necessário que essas duas polaridades estejam equilibradas para o ser
humano estar em paz."
De uma forma simples, é o religare, o resgate de uma consciência antiga, que coloca a sacralidade feminina, em todos os seus aspectos, em ponto de equilíbrio dentro da nossa realidade social. É o respeito aos princípios que nos ligam à terra e todo o aspecto gerador nela inserido, e isso independe de ser homem ou mulher, pois está dentro de cada um de nós.
Mirella Faur, sobre o tema, destaca:
As últimas décadas do século passado proporcionaram uma gradativa mudança de paradigmas nas relações e nos conceitos relativos ao masculino e feminino. No entanto, para que este avanço teórico se concretize em ações e modificações comportamentais e espirituais, é imprescindível reconhecer a união harmoniosa e complementar das polaridades e procurar novos símbolos e rituais para o seu fortalecimento e equilíbrio. Com o surgimento progressivo de uma dimensão feminina da Divindade na atual consciência coletiva, está sendo fortalecido o retorno à Deusa e a revalorização do Sagrado Feminino.
Somos nós que estamos voltando à Deusa, pois Ela sempre esteve ao nosso lado, apenas oculta na bruma do esquecimento e velada pela nossa falta de compreensão e conexão com seu eterno amor e poder.
A principal diferença entre o Pai patriarcal, celeste e a Mãe cósmica e telúrica universal é a condição transcendente e longínqua do Criador e a essência imanente e eternamente presente da Criadora, em todas as manifestações da Natureza.
A redenção do Sagrado Feminino diz respeito tanto à mulher quanto ao homem. Ao esperar respostas e soluções vindas do Céu, esquecemos de olhar para baixo e ao redor, ignorando as necessidades da nossa Mãe Terra e de todos os nossos irmãos de criação. Para que os valores femininos possam ser compreendidos e vividos, são necessárias profundas mudanças em todas as áreas: social, política, cultural, econômica, familiar e espiritual. Uma nova consciência do Sagrado Feminino surgirá tão somente quando for resgatada a conexão espiritual com a Mãe Terra, percebida e honrada a Teia Cósmica à qual todos nós pertencemos e assumida a responsabilidade de zelar pelo seu equilíbrio e preservação.
O reconhecimento do Sagrado Feminino deve ser uma busca de todos, porém cabe às mulheres uma responsabilidade maior, devido à sua ancestral e profunda conexão com os arquétipos, atributos, faces, ciclos e energias da Grande Mãe.
Leia a íntegra do texto em: http://www.teiadethea.org/?q=node/92.
Assim, cumpre às mulheres, em especial as que seguem a Tradição da Arte Real, honrar os seus ciclos e reforçar a conexão com a Grande Mãe, o que pode ser feito através de círculos, encontros, conversas ou mesmo através de uma singela a celebração silenciosa, a cada novo despertar, agradecendo por tudo aquilo que Ela nos concede e nos ensina.
E este, eu acredito, é o legado da Deusa. Que ela nunca mais seja esquecida ou sobrepujada pela humanidade, mas que seja honrada, respeitada e sua adoração mantida ao longo dos tempos.
O querido Mestre Íbis dedica grande parte de sua obra literária falando deste encontro com a Deusa, que para ele, pode ser simplesmente chamado de Natureza, pois ela está em tudo, assim como está em nós.
Em sua obra "Encontrando a Deusa", temos uma bela passagem que retrata a questão do Sagrado Feminino e o seu resgate:
Houve o tempo em que todos veneravam a Deusa e, para ela, acendiam incensos e ofertavam óleos perfumados. Mas, chegou um novo tempo em que outras religiões se impuseram pela espada e pela tortura. E, os que amavam a Deusa foram queimados, pisoteados pelos cavalos dos soldados das forças religiosas e estes impuseram seu Deus, e os que não o aceitavam, os que continuariam amando a Deusa, foram perseguidos e quase exterminados. Mas a verdade não morreu. Passavam-se gerações e gerações, e eis que em algum tempo brotava no coração, dos que descendiam daqueles que amaram a Deusa acima de suas próprias vidas, uma chama intensa e permanente. E, esses, de repente, ouviam na escuridão de suas almas a voz da Deusa que despertara em seu coração, como desperta o Sol em todas as manhãs.
Então, aquele que passaria a caminhar pelo Caminho da Deusa, compreendia que voltara para a verdade de seus antepassados e recebia o canto celestial da Deusa, sentindo que sua vida estava transmudada, pois seu coração entendera Aquela que reina e reinará em todos os tempos, mesmo que muitos não a compreendam.
E estes que escutavam novamente a voz da Deusa se reuniam, muitas vezes secretamente, pois desejavam se fortalecer uns nos outros. E, assim, formavam pequenas sociedades subterrâneas, Cóvens, e lá, na discrição de seus templos improvisados, nas clareiras de um bosque, ou nas igrejas de outras religiões, olhando para dentro de si, cultuavam a Deusa e a alegria de viver em comum com a energia que está em todas as coisas.
E as mulheres se voltavam para a Lua Cheia e dançavam para a Deusa e abriam suas almas e conquistavam o poder do fascínio sobre todas as coisas, pois a Deusa afirma que quem tiver sua alma despertada, será como a Ela, brilhará como uma estrela e terá a formosura das flores. E foi colocada no céu a Lua para que pudessem ver o espelho da Deusa e nele se mirar. E os homens erguiam seus braços para a Deusa do Luar e recebiam as energias para que pudessem continuar nas suas labutas diárias. E a Deusa se colocava no coração de seus filhos e filhas, e derramava o seu poder sobre todos, como se derrama a luz do luar sobre as plantas, sobre as matas, sobre as águas, nas noites de plenilúnio.
E seus filhos, então, voltaram a dançar junto às fogueiras em homenagem a Grande Mãe, e seus corações se abriram novamente para o belo e para a alegria de viver. E se restabelecia o Sagrado Feminino e os deuses reviviam, um por um, pois brotavam nos corações dos que novamente haviam encontrado o Caminho.
Abrir nossos corações para o belo e a para a alegria de viver é o primeiro passo para desenvolver o Sagrado Feminino dentro de si. Mas uma vez dado esse passo, é impossível voltar atrás. O melhor é que nunca estarás só, pois a Deusa que em tudo reside também em nós habita.
Evoé!